Segundo relatos obtidos pela equipe da coluna, Lira sinalizou a lideranças do Congresso e a integrantes do STF que não quer abrir uma nova trincheira contra o Judiciário e que, de todas as CPIs que ele cogita abrir para fustigar o governo, a da “censura e atos de abuso de autoridade” por parte do STF e do TSE não deve sair do papel tão cedo.
O requerimento capitaneado pelo deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) foi apresentado em novembro do ano passado e tem o apoio da bancada bolsonarista na Casa, alvo de inquéritos que tramitam no STF sob a relatoria de Moraes – como o das fake news, o das milícias digitais e a apuração dos atos golpistas de 8 de Janeiro.
O parlamentar pretende criar a CPI para investigar a “violação de direitos e garantias fundamentais, a prática de condutas arbitrárias sem a observância do devido processo legal, inclusive a adoção de censura e atos de abuso de autoridade, por membros do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal”.
Ela voltou a ser discutida depois que Lira aumentou a tensão com o governo investindo contra o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a quem chamou de “incompetente” e “desafeto”. Um dos acenos que fez à oposição para fustigar o governo Lula foi mandar fazer um levantamento das CPIs que poderiam ser abertas em uma reunião com líderes partidários, na última terça-feira.
Na manhã seguinte, Moraes se reuniu com o presidente da Câmara a portas fechadas na residência oficial da Casa, num encontro que não constava na agenda de nenhum dos dois e que foi interpretado por aliados de Lira como uma forma de “medir a temperatura”.
“Não foi um clima fácil”, resume um interlocutor de Lira.
Em seguida, Moraes foi ao Congresso e participou da solenidade para a entrega do anteprojeto que atualiza o Código Civil ao lado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
À noite, foi a vez de o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, conversar com Lira por telefone – e também tratar da CPI que mira o STF e o TSE. Em nota, o Supremo informou que Barroso falou com Lira “com espírito colaborativo de ambas as partes, no sentido de evitar qualquer tensão entre os poderes”.
Depois de toda a pressão, interlocutores de Lira apontaram em conversas reservadas que há um problema no “objeto” da CPI, que não tem um fato determinado e não poderia ser aberta para investigar uma série de decisões judiciais, o que é vedado pelo regimento interno do Senado Federal.
No requerimento para instalar a CPI contra o Supremo e o TSE, o nome de Alexandre de Moraes é citado cinco vezes, alvo de críticas por decisões, como a que determinou o bloqueio de contas bancárias de pessoas e empresas acusadas de financiar atos antidemocráticos.
O requerimento também elenca outra decisão de Moraes que irritou os bolsonaristas, ao autorizar em agosto de 2022 a uma operação de busca e apreensão contra empresários que compartilharam mensagens de tom golpista em um grupo reservado no WhatsApp.
Pelo que Lira tem sinalizado até agora, portanto, as comissões a serem criadas são as com potencial de dar trabalho ao Palácio do Planalto, como a que prevê a investigação da compra de energia da Venezuela pelo governo brasileiro e a que trata de segurança pública, com foco em “denúncias do crime organizado e sua relação com o crescimento do número de homicídios e atos de violência em todo o Brasil”.
Além de gerar constrangimento, a instalação de CPIs em pleno ano eleitoral atrapalha o plano do governo de se concentrar na aprovação de medidas econômicas. Para aliados de Lira, o recado é claro: o cabo de guerra do presidente da Câmara é com o Planalto, e não com o STF.
Fonte: O GLOBO