Choques revividos esta semana no CNJ jogam luz sobre uma diferença de pensamento que continuou existindo mesmo diante dos ataques sofridos pela Corte nos últimos anos
Porto Velho, Rondônia - O embate em torno do afastamento de juízes que atuaram na Lava-Jato evidenciou no Supremo Tribunal Federal (STF) as antigas divergências na cúpula do Judiciário envolvendo a operação, quando o tribunal ficou dividido em duas diferentes alas — uma favorável à força-tarefa e outra crítica. Na avaliação de integrantes da Corte ouvidos pelo GLOBO, os choques, revividos nesta semana no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), jogam luz sobre uma diferença de pensamento que continuou existindo mesmo diante dos ataques sofridos pelo STF nos últimos anos, período em que os ministros se esforçaram para demonstrar união diante da ofensiva do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados.
Durante a sessão do CNJ que reverteu parte das punições, anteontem, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, chamou a medida adotada monocraticamente pelo corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, que é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de “ilegítima, arbitrária e desnecessária”.
A investigação sobre a atuação da 13ª Vara Federal de Curitiba, que já teve à frente o hoje senador Sergio Moro (União-PR), é liderada por Salomão e acompanhada de perto pelo ministro Gilmar Mendes, aliado do corregedor e um dos principais críticos públicos da Lava-Jato ao longo dos últimos anos. Nos bastidores, Salomão conta ainda com o respaldo do ministro Alexandre de Moraes, que é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nos últimos anos, a Lava-Jato vem colecionando uma série de derrotas no Supremo, como a suspensão de multas dos acordos de leniência firmados durante a operação e a revisão de punições.
Posições distintas
As novas fricções remontam ao período em que a Lava-Jato esteve cotidianamente na pauta de julgamentos do STF com uma série de embates entre a ala que tem, entre outros, Barroso e Edson Fachin, e o grupo de Gilmar e Toffoli. Em 2021, quando o Supremo julgava a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no processo do “triplex do Guarujá”, que tinha o à época ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como réu, Barroso, Gilmar e Ricardo Lewandowski, que ainda estava na Corte, protagonizaram uma discussão acalorada sobre o legado do combate à corrupção que terminou em um bate-boca — encerrado pelo então presidente do Supremo, Luiz Fux.
— Vossa excelência acha que o problema, então, foi o enfrentamento da corrupção e não a corrupção? — disse Barroso a Lewandowski, em dado momento da discussão.
Em resposta, na época, Lewandowski disse que Barroso, sempre “quer trazer à baila a questão da corrupção, como se aqueles que estivessem contra o modus operandi da operação fossem a favor da corrupção”.
Em entrevista ao GLOBO no início do mês, Barroso reconheceu o que chamou de erros e equívocos da Lava-Jato e afirmou que a força-tarefa tinha “certa obsessão” por Lula.
Autor de diversas críticas públicas à operação e a seus integrantes, Gilmar defendeu, em entrevista no mês passado, a criação de uma “Comissão da Verdade” para esclarecer supostas irregularidades cometidas durante a operação.
— Há coisas nebulosas que precisam ser esclarecidas.
No julgamento dos magistrados no CNJ, interlocutores de Salomão afirmam que, na avaliação do ministro, houve demora para Barroso pautar os casos. Dentro deste contexto, o corregedor decidiu determinar os afastamentos, o que “obrigou” o colega a levar a análise ao colegiado.
Salomão, segundo aliados, chegou a reconhecer que Barroso ficou incomodado com o movimento, mas ressaltou que o fato de o afastamento de dois desembargadores (Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima) ter sido mantido pelo colegiado mostra a gravidade do que foi descoberto pela apuração do CNJ. Os juízes Gabriela Hardt, que esteve à frente da operação, e Danilo Pereira Júnior, atual titular da 13ª Vara, foram afastados pela decisão monocrática, mas retornaram aos postos no dia seguinte após a determinação do colegiado.
Salomão, ainda de acordo com interlocutores, afirmou que a discordância na sessão foi natural e que o “estresse” ocorreu nos bastidores, ainda que a relação pessoal com o presidente do STF seja serena.
Já Salomão afirmou ao GLOBO que tinha o “dever” de levar o caso dos magistrados a julgamento diante da gravidade das descobertas, que serão submetidas, agora, ao Supremo:
— Houve uma virada na operação: no primeiro momento, o foco foi o combate à corrupção, mas com o passar do tempo virou um verdadeiro “cash back”.
Às vésperas do julgamento no CNJ, Barroso fez um discurso para uma plateia majoritariamente estrangeira sobre os “papéis de cada um” no combate à corrupção em evento com a participação da Transparência Internacional, ONG que foi alvo de decisões do ministro Dias Toffoli. A presença de Barroso no encontro incomodou uma ala do STF, que considerou a ida indesejável num momento em que a instituição está sob investigação na Corte.
Relação com o Congresso
Ainda que o caso dos juízes da Lava-Jato tenha exposto novamente discordâncias que estavam há tempos sem vir a público, os ministros do STF, reservadamente, estimam que “divergências de pensamento” são menores diante do quadro de articulação institucional vivido no momento presente no Supremo. Ontem, por exemplo, em meio a discussões sobre uma possível ofensiva no Congresso contra a Corte, com a ameaça de uma instalação de CPI e do avanço de uma proposta que limita investigações, Moraes se reuniu com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para uma conversa em busca de conciliação — Barroso e o presidente da Câmara também conversaram ontem.
No mesmo front de contato com o Congresso e com o Executivo estão o decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, e os ministros Dias Toffoli e Flávio Dino, que têm feito pontes para que não haja uma escalada nas reações vindas do Legislativo e, ao mesmo tempo, garantir apoio institucional do Executivo. Exemplo dessa movimentação é o jantar realizado na última segunda-feira na casa de Gilmar que reuniu não só o presidente Lula como Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU), Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça, além de Dino, Moraes e Cristiano Zanin.
Diferentes posições
- Alas distintas: No período em que a Lava-Jato esteve frequentemente na pauta de julgamentos do Supremo com uma série de embates entre a ala mais favorável à operação — com Luis Roberto Barroso, Edson Fachin, entre outros — e o grupo de Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, com postura mais crítica à força-tarefa.
- Julgamento no CNJ: Durante a sessão que reverteu parte das punições, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, chamou a medida adotada monocraticamente pelo corregedor Luis Felipe Salomão de “ilegítima, arbitrária e desnecessária”. Salomão conta o respaldo de Alexandre de Moraes, que é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e de Gilmar Mendes.
- Decisões recentes: O ministro Dias Toffoli considerou nulas as provas do acordo de leniência da Odebrecht, homologado em 2017, que atingiu membros de variados partidos. O STF já havia “esvaziado” a Lava-Jato ao decidir que casos de corrupção ligados a caixa dois deveriam ser considerados crimes eleitorais e ao rever decisões dos TRFs e beneficiar políticos.
Fonte: O GLOBO
da redação FM Alô Rondônia