O território destinado aos indígenas, de 7.036 hectares, segundo portaria declaratória expedida pelo Ministério da Justiça, em 2010, abrange uma área que a prefeitura desapropriou para a construção de um parque aquático e polo industrial.
As obras do empreendimento, inclusive, já começaram dentro da reserva, que passou por quase todas as etapas de demarcação, com exceção da homologação do presidente.
Em março de 2023, o prefeito Julio Cezar (PSB) fez um evento para anunciar um centro de lazer e turismo, que “contará com piscinas, toboáguas, restaurantes, entre outros espaços”, conforme descreveu a administração municipal. Nessa data, ele lançou a “pedra fundamental” que deu início à construção do “Parque Aquático Graciliano Ramos”. O escritor foi prefeito da cidade, de 1928 a 1930, que serviu de cenário para o seu primeiro romance, Caetés.
O terreno, situado dentro da área declarada como indígena, foi adquirido pela prefeitura por R$ 1 milhão de um posseiro e “doado” a um empresário local, segundo nota da administração.
Diante da apropriação do seu território, lideranças indígenas denunciaram o caso a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que interpelou a prefeitura sobre o descumprimento de uma norma que veta a aquisição de áreas "reivindicadas por grupos indígenas”.
A gestão municipal, por sua vez, argumentou que estava amparada em outra norma, baixada pelo governo Jair Bolsonaro em 2020, que permitia o reconhecimento de propriedade privada e comercialização de terras demarcadas ainda não homologadas. Essa regra, no entanto, foi revogada pelo governo Lula em agosto de 2023, e aí se instaurou um imbróglio.
Desde a época de publicação do livro de Graciliano, de 1933, a terra indígena em Palmeira dos Índios é alvo de disputas por possuir diversas fontes de água em meio ao agreste alagoano.
De um lado, o povo Xukuru Kariri, que se divide em 10 aldeias com cerca de 2.400 indígenas, segundo a última pesquisa do IBGE de 2022. Eles utilizam as terras para plantar banana, batata doce, macaxeira, milho, couve, feijão de corda e hortaliças, além de fazer os seus rituais tradicionais.
Do outro, cerca de 2.000 posseiros que se multiplicaram nos últimos anos com a morosidade do processo de demarcação. A maioria é formada por pequenos agricultores que possui de 1 a 2 hectares, mas também há entre os proprietários grandes fazendeiros, um ex-prefeito e um ex-deputado estadual que criam gado na área, alguns com os títulos de propriedade.
— Talvez eu seja o único prefeito que não tem terreno ali. Eu sou uma espécie de mediador para não ter conflito e derramamento de sangue — disse o prefeito Julio Cezar.
Ele justificou o polo industrial e aquático como uma “iniciativa para gerar riqueza e emprego” à cidade e que, quando o comprou, tinha "amparo legal" da Funai para isso.
— Qual é o prefeito que não quer trazer uma fábrica para a sua cidade? É uma questão social e econômica. Eu não sou contra a demarcação, mas não se pode resolver um problema (a homologação da terra indígena) criando outro (o desalojamento dos posseiros). E tem uma outra questão: o agro se armou. O cara está numa pequena propriedade que pertenceu aos seus tataravós e, de uma hora para outra, chega uma notificação, dizendo que ele tem que se mudar e botar a mobília no caminhão. Como é que fica essa situação? — questionou ele.
Este é o “problema político” citado por Lula para justificar o recuo nas demarcações pendentes. Ou seja, onde colocar os milhares de posseiros pobres, que, com o decreto presidencial, perderiam as suas casas e fontes de subsistência. O ato que sucede à homologação é fazer a desintrusão do território por meio da indenização dos ocupantes de “boa fé”, mas a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas têm se queixado da falta de equipe e recursos para fazer esse trabalho.
O líder indígena Gecivaldo Xukuru Kariri afirmou que a terra indígena já passou por todas as etapas legais de demarcação, que, segundo ele, só foi barrada por uma “questão politiqueira”.
— Se eles têm dinheiro (para construir um parque), por que não compram terras para esses posseiros e fazem a desintrusão — questionou Gecivaldo, e acrescentou:
— O nosso território foi reconhecido em 1822 na época do império. Aí veio a invasão e a expulsão dos indígenas que foram se espalhando pelos municípios vizinhos. Depois, houve uma retomada em 1979 e fomos reconhecidos pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio, órgão que depois deu origem a Funai). Esse número exagerado de ocupantes ocorre justamente pela morosidade em concluir o processo. Os posseiros vão vendendo os terrenos a terceiros e aí vira um problema sem fim.
O documento de 1822 ao qual ele se refere foi citado no relatório de demarcação da Funai. A "carta régia" entregava aos indígenas “uma légua em quadro a partir do pião da igreja matriz”. Essa delimitação totalizava 36.000 hectares - 5 vezes mais do que o território destinado atualmente ao povo. Mas foi considerada inviável por abarcar parte da área urbana do município, que possui mais de 60 mil habitantes.
Base aliada
O prefeito Julio Cezar é da base aliada do governo Lula. Durante a campanha de 2022, ele participou de comícios pedindo votos ao petista ao lado do governador Paulo Dantas (MDB) e do ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB). Em janeiro de 2023, acompanhado do senador Renan Calheiros (MDB-AL), ele teve uma reunião com o então ministro da Justiça, Flávio Dino, e com a secretaria-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior.
Na ocasião, ele afirmou que a homologação não poderia ser feita sem o diálogo com o poder municipal e estadual, porque “quando dá o problema, a população bate na porta do prefeito para reclamar”.
Na última semana, Lula anunciou a 40 lideranças indígenas que iria criar uma força tarefa e conversar com os governadores para resolver as homologações pendentes - entre elas está a do povo Xukuru Kariri.
Fonte: O GLOBO
Na última semana, Lula anunciou a 40 lideranças indígenas que iria criar uma força tarefa e conversar com os governadores para resolver as homologações pendentes - entre elas está a do povo Xukuru Kariri.
Fonte: O GLOBO
da redação FM Alô Rondônia