Americanas: Executivos tinham grupo de WhatsApp sobre fraudes

Americanas: Executivos tinham grupo de WhatsApp sobre fraudes

 

        Mensagens obtidas pelos investigadores revelam tensão após o anúncio de que o então CEO Miguel Gutierrez deixaria o comando da empresa


Porto Velho, Rondônia - A Polícia Federal e o Ministério Público Federal descobriram durante as investigações sobre as fraudes no balanço da Americanas que os executivos envolvidos no esquema tinham um grupo no WhatsApp para falar do assunto. Do grupo, que se autodenominava G30, participavam cerca de 40 pessoas, de acordo com os relatos dos delatores Flávia Carneiro e Marcelo Nunes.

Desses, 14 foram alvo da Operação Disclosure, que realizou busca e apreensão em 15 endereços na última quinta-feira (27). Eles são suspeitos de manipulação de mercado, insider trading, fraude contábil, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

De acordo com os relatórios do Ministério Público Federal e da PF que embasaram a operação, os 14 executivos compunham os escalões mais altos do grupo, e no comando estava o então CEO Miguel Gutierrez, que teve a prisão preventiva decretada no Brasil e chegou a ser detido pela polícia espanhola após a sua inclusão na lista de procurados da Interpol.

Anna Saicali, que era CEO do braço digital da Americanas, a B2W, aparece no "organograma da fraude" como a número dois do grupo.

Abaixo deles, uma série de diretores e vários outros funcionários mais operacionais. As mensagens do grupo foram fornecidas pelos delatores como provas de corroboração.

De acordo com os investigadores, o grupo de WhatApp funcionou por vários anos, e a leitura das mensagens não só fornece um panorama da evolução das estratégias usadas na maquiagem contábil, mas também esclarecem como funcionava a dinâmica do grupo.

A sequência de mensagens revela, por exemplo, que a tensão se espalhou entre eles quando foi anunciado que Gutierrez deixaria o comando e que o executivo Sergio Rial assumiria a presidência do grupo Americanas.

Conforme já publicamos, o próprio Gutierrez e os outros executivos que comandavam a fraude fizeram reuniões para discutir como apagar os vestígios das manipulações contábeis e estabelecer um “plano de ação” para maquiar o tamanho do rombo nas finanças da companhia antes de o novo CEO assumir o cargo.

Muitas dessas reuniões ocorriam em um local que o próprio grupo apelidou de "sala blindada" — uma sala de reuniões comum que ficava no segundo andar do prédio, distante de onde despachava a direção da companhia.

Segundo fontes envolvidas na investigação, depois do anúncio da troca de comando, os funcionários menos graduados começaram a pressionar os de escalão mais alto por providências rápidas para apagar os rastros da fraude ou por alguma saída para impedir que ela fosse revelada.

A resposta para esse pessoal, tanto no grupo como em mensagens privadas, era a de que Gutierrez resolveria tudo e de que ele sabia o que estava fazendo.

À medida que o tempo passava, porém, a tensão foi contaminando também os executivos de escalão mais alto, que conversavam entre si sobre o assunto.

As investigações mostraram, porém, que nessa mesma época Gutierrez estava transferindo seus bens a off-shores em nome de familiares em quatro países diferentes, em uma estratégia que ele mesmo classificou em anotações em seu iPad como "blindagem patrimonial".

De acordo com a PF, em 2022 Gutierrez anunciou "uma intensa movimentação patrimonial de seus imóveis. Diversos imóveis que se encontravam em nome de Miguel e família foram vendidos ou incorporados ao patrimônio das empresas". O relatório afirma ainda que Gutierrez saiu definitivamente do quadro societário das empresas no primeiro semestre de 2023, quando as fraudes foram reveladas”

O histórico das mensagens no G30 mostra que o descontentamento do time com a cúpula só aumentou até a chegada de Rial, mas as providências tomadas não foram suficientes para evitar que as fraudes fossem descobertas.

Em janeiro, a nova presidência da Americanas anunciou ao mercado ter descoberto "inconsistências contábeis" inicialmente estimadas em R$ 20 bilhões – hoje giram em torno de R$ 25,7 bilhões.

Depois disso, a companhia pediu recuperação judicial e entrou em uma complexa negociação com os bancos que terminou com um acordo para injeção de capital por parte do trio de acionistas principais – Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.

O conteúdo obtido pelos investigadores no G30 também revela que nem todos acataram as ordens da antiga direção sem questionamentos todo o tempo.

Em fevereiro de 2018, quase cinco anos antes da revelação do rombo nas contas, um gerente da área financeira ligado à antiga diretoria explodiu no grupo, conforme mostrou reportagem do Fantástico exibida no último domingo (30):

“Vou dar um ano para resolver o que está pendente de problema”, escreveu o funcionário. “Não saí da pobreza para virar bandido. Não cheguei até aqui para ser complacente com gente incompetente e mesquinha. Eu não tô brincando. Acabou”.

O executivo acabou demitido tempos depois.

A operação da Polícia Federal da semana passada expôs uma parte do enredo que se desenrolou nos bastidores, mas as mensagens do G30 mostram que ainda há muitos detalhes que não vieram à tona.


Fonte: O GLOBO

da redação FM Alô Rondônia
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