Moeda americana vai a R$ 5,66, e analistas já avaliam o impacto inflacionário do câmbio. Críticas ao BC e resistência ao ajuste fiscal alimentam a curva de juros futuros
O desempenho do dólar no Brasil ontem foi na contramão do exterior, onde a moeda se desvalorizou com sinalizações do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Jerome Powell, de que os Estados Unidos estão caminhando para a desinflação, o que pode permitir a redução dos juros à frente.
Somente nos dois primeiros dias deste mês o dólar avançou quase 2%. No ano, a moeda acumula valorização de mais de 17%. Para analistas, o câmbio opera em alta excessiva, com elevado prêmio de risco. Eles avaliam que não há fundamentos na economia neste momento que expliquem essa valorização.
Segundo analistas, não se sabe que patamar o dólar pode atingir enquanto não houver sinalização mais clara do governo sobre o cenário fiscal.
‘Pulga atrás da orelha’
Pela manhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a alta do dólar era preocupante e que fazia parte de um jogo “especulativo” e de “interesses” contra o real e disse que se reunirá hoje com a equipe econômica para debater medidas.
Depois das declarações, a moeda americana chegou a bater R$ 5,68. Para Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos, a escalada do dólar é uma reação do mercado às incertezas no cenário fiscal:
— Não é uma questão especulativa, mas uma questão de risco do mercado, que reage às incertezas se protegendo. Tudo isso prejudica ainda mais a percepção de risco no Brasil, que já é muito afetada pelo fiscal, enquanto não há nenhuma sinalização concreta de que o governo vai cortar despesas.
Para Alexandre Viotto, diretor de banking e câmbio da EQI Investimentos, a fala de Lula deixou “uma pulga atrás da orelha”, pelo receio de que o governo tome medidas que tragam mais nervosismo.
Apesar de o BC ter sinalizado que a Selic deve permanecer em 10,50% pelo tempo que for necessário até a inflação desacelerar, o mercado começa a se questionar se a autoridade monetária não se verá obrigada a elevar a taxa básica de juros ainda este ano.
‘Tendência é que piore’
Analistas argumentam que, na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o cenário alternativo considerava um dólar mais baixo do que o visto atualmente.
Desde 19 de junho, a última reunião do Copom, o dólar subiu mais de 4%. Bruno Martins, economista sênior do BTG Pactual, destaca que as expectativas de inflação também se deterioraram:
— A tendência é que piore ainda mais, por conta dessa depreciação forte no curto prazo, então muito provavelmente esse cenário de ciclo (da Selic) constante não vai se concretizar, e pode ser que o Banco Central suba os juros ainda este ano.
Ele ressalta que o BTG ainda não alterou seu cenário-base, de Selic a 10,50% no fim de 2024. A projeção atual do banco para o dólar ainda é de R$ 5,20, mas, segundo Martins, o BTG considera revisar essa estimativa.
Mercado vê IPCA maior
Pela curva de juros, o mercado vê uma alta de 0,5 ponto percentual na Selic ainda neste ano. Isso não necessariamente significa que os analistas acreditem que isso irá ocorrer, visto que os contratos de DIs são tidos como ativos “seguros” e são muito buscados em momentos de risco e incerteza.
Os contratos com vencimento em janeiro de 2025 até recuaram ontem, de 10,83% para 10,76%, mas estão acima dos 10,5% da Selic.
— O prêmio da curva de juros não está aumentando por influência da inflação, mas sim pelo cenário local, com risco fiscal e recentes falas do Lula, com ataques ao Banco Central — disse Luan Aral, especialista em dólar da Genial Investimentos.
Ele ainda considera prematuro pensar em alta da Selic, mas reconhece que, se o dólar não recuar, haverá pressão sobre a inflação. O último Relatório Focus, divulgado na segunda-feira, já apontava IPCA a 4% no fim do ano, contra 3,88% um mês antes. O centro da meta do governo é 3%.
Analistas destacam ainda que será importante acompanhar, nos próximos dias, as projeções para a inflação, ou seja, o quanto da alta do dólar será incorporado na previsão para os preços, o que pode forçar o BC a subir os juros.
Sem ajuste, Lula faz preço
O gestor de um banco internacional que pede para não se identificar afirma que as declarações de Lula têm pesado no mercado porque faltam ações concretas do governo que sinalizem compromisso com a responsabilidade fiscal. Ele faz um paralelo com o primeiro ano do atual governo Lula, quando este também criticou a atuação do BC sob a gestão de Roberto Campos Neto:
— Em 2023, Lula falava, mas o governo apresentou o arcabouço fiscal, houve a aprovação da Reforma Tributária, ou seja, houve fatos que motivavam uma melhor avaliação do mercado. Agora, em junho, um dia depois de os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) se reunirem para discutir corte de gastos, Lula foi a público dizer que não endossava nenhuma das medidas ventiladas.
Segundo esse gestor, quando Lula critica Campos Neto, o mercado financeiro teme uma “tombinização” quando houver a troca de comando no BC, em 2025. É uma referência à gestão de Alexandre Tombini na autarquia, no governo Dilma Rousseff, quando os juros caíram mesmo em cenário de alta do dólar e inflação sob pressão.
Fôlego até R$ 6 ou R$ 7
Outro ponto é o peso do cenário internacional. Um gestor de renda variável de um grande banco global ressaltou que “os gatilhos do noticiário externo reverberam de forma muito mais intensa no Brasil diante das incertezas fiscais do país, que sofre bem mais que os outros emergentes”. Entre esses gatilhos está o avanço de Donald Trump nas eleições americanas este ano.
No cenário interno, a principal preocupação é com o horizonte fiscal a médio prazo. Ainda que o governo consiga manter o déficit fiscal entre 0,5% e 0,7% do PIB este ano, há dúvidas sobre como será o resultado já em 2025.
Segundo um gestor, a arrecadação deste ano dependeu muito de medidas de efeito único, como a tributação de fundos exclusivos. Ele afirma que “os gastos continuam a subir e não vemos muito espaço para ampliar a arrecadação.”
Um analista afirma que o comentário recorrente no mercado financeiro é que o dólar não ficará no patamar de R$ 5,65, por não ter relação com os fundamentos da economia brasileira.
A dúvida é se o governo apresentará medidas que mostrem compromisso com a responsabilidade fiscal — e o dólar voltaria para perto de R$ 5 —, ou se vai se confirmar um cenário leniente com as contas públicas. Nesse caso, a cotação poderia superar R$ 6 ou até mesmo R$ 7.
No fim do dia, circulou o rumor de que o BC havia contatado algumas mesas de operação de bancos para saber se haveria demanda por swap cambial, medida que aumenta a oferta de dólar no mercado.
Segundo analistas, quando há esse tipo de contato, é sinal de que pode haver uma intervenção pela autoridade monetária para segurar a divisa. Mas o BC anunciou apenas uma rolagem de contratos para hoje, disseram especialistas.
Fonte: O GLOBO
da redação FM Alô Rondônia