'Rei do crédito de carbono' participou de suposta negociação de propina, aponta PF; veja as mensagens

'Rei do crédito de carbono' participou de suposta negociação de propina, aponta PF; veja as mensagens

 

      Inquérito aponta R$ 180 milhões em vendas com lastro em terras griladas da União; em nota, o Incra informou que vem auxiliando as investigações


Porto Velho, Rondônia - A Polícia Federal interceptou conversas de um empresário que negocia créditos de carbono tratando de supostos pagamentos de propina a funcionários públicos federais e estaduais. Os repasses, de acordo com a investigação, foram feitos para viabilizar a grilagem de terras e a falsificação de dados em cartórios.

Preso preventivamente desde o início de junho, Ricardo Stoppe Junior é apontado pela PF como líder de um suposto esquema de fraudes na comercialização de R$ 180 milhões de créditos de carbono com lastro em terras da União griladas no Amazonas. A PF destaca que ele foi "um dos protagonistas" da COP 28, em Dubai, em dezembro de 2023 .

Segundo a PF, por meio de certificados fraudulentos e inserção de dados falsos em registros de cartórios e órgãos públicos, o grupo liderado por Stoppe Júnior se apropriou ilegalmente de terrenos na Amazônia que totalizam 537 mil hectares, o que corresponde ao território do Distrito Federal. Com essas áreas, o grupo lucrava com a venda do crédito de carbono, valor pago por empresas privadas pelas emissões que deixam de ser lançadas.

Os investigadores identificaram supostos pagamentos ilícitos a pelo menos dez servidores públicos do Incra, Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e Secretaria de Estado das Cidades e Territórios do governo do Amazonas. As informações constam em um relatório da PF, obtido pelo GLOBO.

Em nota, o Incra informou que vem auxiliando as investigações. “O resultado das apurações irá fundamentar as medidas administrativas cabíveis no âmbito da autarquia”, acrescenta o texto. Já o governo do Amazonas afirmou que “não compactua com nenhum tipo de desvio de conduta e ilícitos cometidos” e que as pessoas citadas não fazem mais parte da administração estadual. 

“O governo do Amazonas reitera seu compromisso com a transparência e prestará toda colaboração necessária à Justiça”, acrescentou. A defesa de Stoppe não quis se manifestar. O grupo do qual ele é sócio publicou uma nota afirmando que os créditos de carbono "sempre foram certificados pelo mercado por manterem a qualidade e integridade esperadas".

Um dos envolvidos é um ex-superintendente do Incra do Amazonas que estava no cargo até fevereiro de 2023. Segundo a PF, ele teria chegado ao posto por influência de Stoppe e atuou para "retificar" a matrícula de um terreno de interesse do grupo investigado. Na mesma época, os policiais interceptaram um diálogo do empresário falando sobre um “combinado” com o “superintendente”.

"Aí o superintendente vai analisar, que é o combinado, e posterior devolver ele autorizando a fazer. (...) E aí envia pro superintendente pra ele mandar fazer o ofício", diz ele em diálogo datado de outubro de 2022.

Diálogos do 'Rei do Gado' interceptados pela PF — Foto: Reprodução

No relatório, os investigadores apontam que o tal "combinado" se refere "a pagamento de propina". E destacam uma movimentação em dinheiro vivo de R$ 139 mil feita em “período temporal de diversas fraudes relacionadas a grilagem de terras pela organização criminosa”, conforme o texto.

Outro servidor do Incra, que coordenava a área de certificação, é apontado como o responsável por emitir documentos fundiários fraudulentos ao grupo empresarial e "atuou dentro do Incra como peça fundamental para a organização criminosa", segundo a PF.

"Eu tô precisando mais de dinheiro aí porque eu prometi já o Carlão, o Carlão vai andar rápido", disse Stoppe em outro áudio captado em maio de 2022.

Conforme a PF, "Carlão" seria um servidor do Incra que recebia o dinheiro por meio de uma empresa de fachada do filho, que movimentou R$ 5,5 milhões em três anos em operações consideradas "atípicas pelo Coaf". Os agentes foram atrás do endereço da suposta companhia sediada em Manaus e constaram que "não havia ligação nem de luz nem água no local", confirmando "se tratar de empresa de fachada".

Dos quadros do governo do Amazonas, há dois ex-secretários e outros três ex-servidores da Secretaria de Estado das Cidades e Territórios (Sect) sob investigação. Segundo a PF, eles montaram um "balcão de negócios" no órgão.

Um dos ex-secretários seria beneficiário de um repasse de R$ 200 mil para a liberação de documentos ao grupo.

"Eu tinha dado aqueles cem que o senhor mandou, (...) ele quer mais cem mil pra entregar o documento. Falou que o secretário tá puto, não queria mais dar", diz um sócio de Stoppe em uma conversa captada em agosto de 2022.

Em outra gravação de março daquele ano, o empresário fala sobre resolver um "rolo" dando dinheiro "lá em cima em Manaus".

'Já foi dinheiro em tudo quanto é canto'

Diálogos do 'Rei do Gado' interceptados pela PF — Foto: Reprodução

No inquérito, a PF estimou o dano ambiental provocado pelos alvos a um total de R$ 606 milhões. Segundo os investigadores, além da grilagem, o grupo utilizava as propriedades para fazer “lavagem de madeira” - ou seja, emitiam documento de toras retiradas de áreas proibidas, como reservas indígenas, para a comercializarem no mercado legal.

"Embora a organização criminosa promova projetos de crédito de carbono, suas ações revelam uma realidade completamente diferente. A exploração extensiva de madeira e bovino, a venda de créditos de madeira fictício, o estoque de gado 'fantasma' para atender áreas com restrições ambientais, a expansão ilegal de territórios mediante grilagem de terras públicas, a corrupção de servidores públicos, cooptação de cartórios, (...) em áreas de preservação evidenciam uma prática sistemática de degradação socioambiental, escondida sob o véu de iniciativas supostamente sustentáveis", concluiu a PF.

Na decisão que autorizou a sua prisão, a Justiça Federal do Amazonas destacou uma conversa de Stoppe na qual ele diz que já remeteu dinheiro ao Incra, Ipaam e "tudo quanto é canto".

"Fora o que eu tô dando de dinheiro com tudo aí pra arcar com isso, uma coisa que não tem documento. (...) Já foi dinheiro em órgão, já foi dinheiro em Incra, já foi dinheiro em Ipaam, já foi em tudo quanto é canto e nada (...) A gente tem que dar um ponto final nisso, porque eu tô documentando uma coisa que, pelo jeito, não existe, né", disse ele em um diálogo de julho de 2022.


Fonte: O GLOBO

da redação FM Alô Rondônia
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